A revolução das baterias – Parte II
Exemplos de aplicação estacionária das baterias de segunda vida


No último artigo, foram apresentadas as baterias de segunda vida de íons de lítio e como estas baterias descartadas de veículos elétricos podem ser utilizadas em sistemas de acumulação de energia estacionários, associados com a geração solar fotovoltaica. Neste texto, serão apresentados alguns exemplos do que vem sendo desenvolvido no Laboratório Fotovoltaica/UFSC da Universidade Federal de Santa Catarina em Florianópolis.
A primeira aplicação das baterias de segunda vida que o laboratório desenvolveu, em parceria com a fabricante de automóveis Nissan, foi utilizada para energizar a área VIP do estande daquela empresa no Salão do Automóvel de 2018, como foi ilustrado na primeira parte desta série de artigos. Em 2019 foram instalados no laboratório cinco postes com luminárias LED, equipados com baterias de segunda vida descartadas dos veículos Nissan Leaf e alimentados por módulos solares fotovoltaicos individuais, como ilustra a imagem no final do texto.

Estes postes iluminam a área de estacionamento do laboratório por toda a noite ininterruptamente e eliminam a necessidade de passagem de fiação da rede elétrica, pois são 100% autônomos, com as baterias sendo integralmente carregadas com energia solar. A eletrônica contida em cada uma das caixas fixadas à base dos postes contém um controlador de carga/descarga da bateria, um sensor de presença e uma tomada USB para carregamento de smartphones ou qualquer outro dispositivo.
Quando anoitece e a tensão do módulo fotovoltaico cai a zero, o controlador de carga aciona a luminária LED. Em algumas versões do poste, esta lâmpada LED permanece ligada por toda a noite em potência plena e, em outros, existe um sensor de presença que mantém a luminária LED ligada em potência parcial e somente ilumina com potência plena se o sensor de presença detectar a passagem de alguém por perto. Ao amanhecer, a tensão que aparece nos terminais do módulo fotovoltaico com a presença da luz solar faz com que o regulador de carga desligue a luminária e passe a recarregar a bateria para o próximo ciclo de uso na noite seguinte.

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Assim, as baterias destes postes realizam um ciclo de carga e descarga por dia desde setembro de 2019. A redução de capacidade de armazenamento das baterias nestas condições foi por enquanto muito pequena, especialmente porque este regime de operação é muito menos exigente com a bateria do que o regime ao qual elas estavam sendo submetidas quando operavam no veículo elétrico. O projeto seguirá por vários anos ainda, com a expectativa de poder extrair muitos ciclos adicionais de carga destas baterias nesta aplicação antes que elas atinjam o estágio final de utilização no qual a resistência interna aumenta a valores tais que a bateria não tem mais capacidade de reter carga, ou que entrem em curto-circuito interno.
Estes postes podem ser utilizados em ambientes urbanos ou em localidades remotas; são de instalação extremamente simples e rápida (basta cavar um buraco no chão e “fincar” o poste) e dispensam qualquer necessidade de infraestrutura elétrica para sua instalação e operação. Em localidades remotas, além de oferecer iluminação de alta intensidade como mostra a imagem abaixo, a tomada USB acoplada à caixa que contém as baterias pode ser de grande utilidade para a recarga de telefones celulares, uma das grandes demandas de baixa potência e energia muito comum nestas localidades. Além do resgate ambiental de reutilização de baterias descartadas da mobilidade elétrica, este tipo de aplicação pode levar luz a qualquer localidade do planeta, por mais isolada ou distante que seja, sem a necessidade de nenhuma intervenção ou investimento em infraestrutura.
Esta mesma configuração de poste com luminária, módulo solar fotovoltaico, caixa com eletrônica de controle e baterias e tomada USB, pode ser estendida a uma aplicação ainda mais nobre, a refrigeração de alimentos, medicamentos e vacinas em regiões remotas, como mostra a segunda aplicação em desenvolvimento no Laboratório Fotovoltaica/UFSC. Desde o final de 2020 o laboratório vem avaliando o uso das baterias de segunda vida para o fornecimento de energia elétrica a um refrigerador de 100 litros, como mostra a imagem no final do texto.

Neste exemplo, o consumo de energia do refrigerador é integralmente atendido por um módulo solar fotovoltaico que durante o dia alimenta simultaneamente o funcionamento direto do refrigerador e a carga das baterias de íons de lítio, as mesmas utilizadas no sistema de iluminação já mostrado. Durante a noite a energia solar acumulada nas baterias alimenta o refrigerador diretamente, simultaneamente ao fornecimento de energia para a luminária LED e também para a tomada USB. Com a necessidade de preservação de vacinas necessárias ao combate à pandemia do coronavírus, este tipo de aplicação em regiões remotas traz um novo viés para a segunda vida das baterias descartadas dos veículos elétricos.
Por fim, a mais recente aplicação das baterias de segunda vida que vem sendo desenvolvida no Laboratório Fotovoltaica/UFSC é a recarga de veículos elétricos a partir da energia solar fotovoltaica armazenada em baterias descartadas dos mesmos veículos elétricos que se pretende recarregar. A imagem abaixo mostra um veículo elétrico da fabricante BMW tendo sua bateria recarregada a partir de um totem de recarga que contém um conjunto de baterias BMW descartadas do mesmo modelo de veículo elétrico que está estacionado sob os módulos solares fotovoltaicos. Estes módulos solares recarregam lentamente ao longo do dia as baterias estacionárias de segunda vida do totem.

Quando o veículo elétrico chega para ser carregado, a recarga pode ser feita de forma rápida ou lenta diretamente destas baterias de segunda vida, dependendo do tipo de carregador que se instala no totem. A grande vantagem deste projeto e do produto que ele gerou é que não é necessário realizar nenhum investimento adicional de infraestrutura para receber o carregador; na realidade, nem uma rede elétrica precisa estar presente, pois o sistema pode funcionar de modo totalmente autônomo.
O sistema pode ser instalado rapidamente em qualquer local, em rodovias ou ambiente urbano e começar a operar imediatamente, ampliando a possibilidade de postos de recarga de veículos elétricos de forma instantânea, auxiliando na viabilização da mobilidade elétrica através da expansão dos serviços de recarga. Os módulos solares fotovoltaicos que são utilizados para fornecer energia ao longo do dia para a recarga das baterias de segunda vida do totem podem também ser utilizados como cobertura da vaga de estacionamento junto ao totem, oferecendo mais conforto e proteção ao usuário e fazendo uso de um subproduto dos módulos solares, que é a sombra por debaixo deles.
Esta foi a segunda parte da revolução das baterias. No próximo artigo iremos falar de aplicações residenciais e sobre como o armazenamento de energia e as mudanças na REN 482 da ANEEL poderão afetar o Mercado de GD fotovoltaica no Brasil.
*Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), doutorado em Electrical and Electronic Engineering - The University of Western Australia (UWA-1995) e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha (Fraunhofer ISE-1996) e na The University of Western Australia (UWA-2011). Atualmente é coordenador do Laboratório FOTOVOLTAICA/UFSC (Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq).

Prof. Dr. Ricardo Rüther
Professor Titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com graduação em Engenharia Metalúrgica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-1988), mestrado em Engenharia de Minas, Metalúrgica e de Materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS-1991), doutorado em Electrical and Electronic Engineering - The University of Western Australia (UWA-1995) e pós-doutorado em Sistemas Solares Fotovoltaicos realizado no Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems na Alemanha (Fraunhofer ISE-1996) e na The University of Western Australia (UWA-2011). Atualmente é coordenador do Laboratório FOTOVOLTAICA/UFSC (Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq).